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terça-feira, dezembro 20, 2016

Riscos associados à indústria de GNL

À luz dos recentes empreendimentos de Gás Natural Liquefeito (GNL) implantados no Brasil, a discussão sobre os riscos associados à indústria de GNL torna-se de suma importância. Assim sendo, este trabalho tem como objetivo apresentar os riscos associados a operações industriais com GNL e compilar os principais incidentes registrados nesta indústria.

INTRODUÇÃO
A indústria de GNL atualmente encontra-se em franco desenvolvimento, tendo assumido papel de destaque no panorama energético mundial. Neste contexto, entre 2007 e 2009 foram implementados, pela Transportadora Associada de Gás S.A. – TAG, dois projetos de regaseificação de GNL no Brasil. A análise desses projetos permitiu a sinergia de diversas áreas da ANP, culminando com as autorizações de construção e de operação das instalações envolvidas. Desta forma, torna-se pertinente uma avaliação sobre os riscos associados à indústria de GNL, tendo como base os principais incidentes relatados mundialmente.

OS RISCOS INERENTES DO GNL
O GNL é obtido pelo processo de liquefação de gás natural após tratamento para a remoção de impurezas, tais como água, nitrogênio, dióxido de carbono, gás sulfídrico e outros componentes sulfurados. A remoção destes componentes é feita antes do processo de liquefação, uma vez que alguns podem congelar no ponto de orvalho do gás natural. As composições médias do gás natural e do GNL estão mostradas na Figura 1.


O GNL é estocado apenas sob refrigeração e não sob pressão. Correntemente encontra-se o produto sob pressurização o que implica a avaliação equivocada dos riscos a ele associados. Na verdade, a tecnologia correntemente empregada faz uso de armazenamento do produto à pressão atmosférica e à temperatura de aproximadamente -160oC.
Os vapores inflamáveis, liberados à medida que o GNL retorna à fase gasosa, só são capazes de criar uma atmosfera explosiva sob condições definidas. Para que os vapores sofram ignição, estes devem estar dentro do limite de inflamabilidade do material, neste caso, uma mistura primordialmente composta por metano. Assim sendo, para que haja a queima, a mistura metano/ar deve conter entre 5% e 15% de metano (Figura 2). Misturas mais concentradas em metano (acima de 15%) não sofrem ignição por falta de oxigênio, enquanto que aquelas com teor de metano abaixo de 5% não a sofrem for falta de combustível.

A situação de atmosfera excessivamente rica em material combustível ocorre no interior de tanques, onde a fase gasosa é composta quase que exclusivamente por metano. Nesta situação não há possibilidade de incêndios por falta de oxigênio. Entretanto, quando há vazamento de GNL em áreas ventiladas, os vapores produzidos se misturam com o ar, podendo dar origem a condições adequadas para incêndio, caso haja uma fonte externa de ignição. Contudo, os vapores rapidamente se dispersam no ar, reduzindo a concentração para valores abaixo de 5%, o que, novamente, inviabiliza a possibilidade de fogo. Assim sendo, a maior possibilidade de ignição ocorre em pontos onde há a possibilidade de estagnação ou em vazamentos em áreas confinadas.

Os riscos associados ao GNL decorrem de suas propriedades intrínsecas, ou seja, dos seus vapores inflamáveis, da baixa temperatura e da possibilidade de asfixia em vazamentos. Quanto aos possíveis riscos, têm-se (FOSS, M.M., 2003; FLYNN, T.M., 2005):

■ Explosão: Este fenômeno ocorre quando uma substância sofre reações muito rápidas, como ocorre na ignição, ou é liberada de forma descontrolada sob pressão. Devido ao GNL ser armazenado à pressão ambiente, a possibilidade de explosão é reduzida.
■ Nuvens de vapor: São formadas pela vaporização do GNL com dispersão na atmosfera. A nuvem só irá pegar fogo se entrar em contato com uma fonte de ignição enquanto dentro dos limites de inflamabilidade.
■ Congelamento: O contato com GNL leva ao congelamento e a queimaduras e, portanto, todo o pessoal envolvido deverá portar equipamento de proteção individual adequado.
■ Rollover: Fenômeno de convecção devido às diferenças de densidade do GNL. A movimentação poderá ocasionar vazamentos pelas PSVs e rachaduras nos tanques. Este evento pode ser facilmente evitado com a implementação de procedimentos operacionais adequados.
■ Asfixia: Se caracteriza como dificuldade respiratória com possível perda de consciência devido à falta de oxigênio. Pode ocorrer próximo ao local de vazamentos e em espaços confinados onde a pessoas ficariam expostas a concentrações excessivamente altas de vapor de GNL.

PRINCIPAIS INCIDENTES REGISTRADOS
Em comparação a refinarias e plantas petroquímicas, a indústria de GNL tem um histórico excelente no que concerne a segurança das instalações. De acordo com H.H. West e M.S. Mannan, da Texas A&M University (FOSS, M.M., 2003):
“The worldwide LNG industry has compiled an enviable safety record based on diligent industry safety analysis and the development of appropriate industry safety regulations and standards”.
(A indústria mundial de GNL tem compilado um histórico de segurança invejável baseado em uma cuidadosa análise de segurança industrial e no desenvolvimento de normas e regulamentos adequados.)
De fato, o GNL tem sido movimentado por mar com segurança nos últimos 40 anos, nos quais foram realizadas mais de 45.000 viagens de navio e percorridas cerca de 100 milhões de milhas, sem que tenham sido registrados quaisquer acidentes graves ou problemas de segurança nos portos ou em alto mar.

De acordo com o U.S. Department of Energy, em 60 anos da indústria de GNL houve, mundialmente, apenas 8 incidentes em embarcações com vazamento do produto, e nenhum destes resultou em incêndio. Adicionalmente, ressalta-se que nenhum destes vazamentos ocorreu devido a colisões ou encalhe das embarcações.
Alguns dos principais acidentes registrados no mundo estão discutidos, de forma sucinta, a seguir (FOSS, M.M., 2003; FOSS, M.M., 2007; CH-IV International, 2003; CH-IV International, 2006):

a) Cleveland - Ohio, EUA, 1944
O acidente ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial em uma instalação de “peakshaving” da East Ohio Gas Company, construída em 1941. Esta planta operou sem acidentes até 1944, quando foi ampliada de modo a incluir um tanque maior.
Obs: Instalações de “peakshaving” são aquelas que incluem a liquefação de gás natural e armazenamento para posterior regaseificação do GNL produzido, com a finalidade de suprir as empresas distribuidoras de gás natural em períodos de picos de demanda.

Devido ao esforço de guerra, houve falta de ligas de aço com alto teor de níquel, material adequado para fabricação de peças e instalações para operação em baixas temperaturas.
As ligas com 9% de níquel, utilizadas para construção de tanques para armazenamento de GNL, foram substituídas ou outras com teor de níquel de aproximadamente 4%, que não apresentava as características necessárias a trabalhos em baixas temperaturas. Assim sendo, houve um vazamento de GNL com posterior propagação da nuvem de gás pelas ruas e penetração na rede de água pluvial. O gás natural confinado na rede sofreu ignição causando a morte de 128 pessoas na área residencial adjacente à planta.
A investigação do acidente foi conduzida pelo U.S. Bureau of Mines, que concluiu que o conceito de liquefazer o gás natural e armazenar GNL é válido, desde que observadas as
precauções apropriadas.

b) La Spezia, Italia, 1971
O evento ocorrido em La Spezia teve como fato marcante ser o primeiro caso documentado de “rollover” em uma planta de GNL. O incidente ocorreu após a descarga do navio metaneiro ESSO-Brega que estava fundiado no porto há aproximadamente um mês. Decorridas 18 horas da descarga, o tanque de GNL do Terminal sofreu um abrupto aumento de pressão, o que causou um vazamento de gás pelas válvulas de segurança e pelos vents por algumas horas. O teto do tanque foi levemente danificado, embora não tenha ocorrido ignição do produto vazado. Posteriormente, atribuiu-se o efeito à estratificação do GNL no tanque de armazenamento do terminal que provocou a movimentação repentina do conteúdo do tanque que ocasionou o súbito aumento de pressão. Este acidente serviu de parâmetro para a elaboração de procedimentos de
enchimento de tanques de acordo com as diferenças de temperatura e densidade entre o GNL armazenado no tanque e aquele da corrente sendo alimentada.

c) Staten Island - Nova York, EUA, 1973
O acidente de Staten Island ocorreu em uma instalação de “peakshaving” da Texas Eastern Transmission Company. O acidente não ocorreu devido ao GNL propriamente dito, mas sim a problemas durante manutenção de um tanque. Em 1972 operadores suspeitaram de vazamento no tanque e interromperam a operação. O tanque foi esvaziado e, durante os reparos, houve combustão do isolamento do tanque, o que ocasionou o deslocamento do teto deste. A queda do teto provocou a morte por esmagamento de 40 operários que trabalhavam no interior do tanque.
O New York Fire Department determinou que o acidente ocorreu claramente devido à
obra e não um acidente com GNL.

d) Cove Point - Maryland, EUA, 1979
Em outubro de 1979 houve um vazamento de GNL pelo selo de uma das bombas do terminal de importação Columbia Gas LNG Terminal. A nuvem de gás penetrou por um eletroduto e atingiu a subestação do terminal, causando explosão. O evento provocou a morte de um operador.

O National Transportation Safety Board dos EUA entendeu que o terminal foi projetado e
construído em conformidade com os regulamentos e códigos em vigor. Assim, em decorrência do acidente foram propostas alterações nos códigos de projetos que são atualmente utilizados por toda a indústria de GNL.

e) Skikda, Argélia, 2004
Em 19 de janeiro de 2004, houve vazamento do fluido refrigerante da unidade de liquefação de gás natural. O hidrocarboneto liberado formou uma nuvem que penetrou na caldeira da unidade, aumentando a quantidade de combustível para a queima. O aumento da quantidade de calor liberada provocou um aumento da pressão do sistema que excedeu a capacidade da válvula de segurança e levou ao rompimento da caldeira.
Esta instalação estava próxima o suficiente da área onde ocorria o vazamento para provocar a ignição da nuvem de vapor, que provocou uma bola de fogo matando 27 pessoas e deixando 72 feridos. Vale ressaltar que o acidente não envolveu vazamento de GNL ou incêndio por ele provocado. No evento, nenhum dos tanques de GNL foi danificado e ninguém fora do perímetro da planta sofreu ferimentos.
A U.S. Federal Energy Regulatory Commission (FERC) e o U.S. Department of Energy (DOE) atribuíram o acidente à existência de fonte de ignição próxima, falta de dispositivos de parada de emergência e a falta de detectores do sistema de fogo e gás.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o acima exposto, depreende-se que a indústria do GNL tem um elevado nível de segurança, tendo evoluído significativamente com o aprendizado decorrente dos acidentes. Com exceção do acidente de Cleveland (1944), todos os ferimentos causados por GNL ocorreram dentro dos limites das instalações. Ressalta-se que, na bibliografia consultada, não há qualquer registro de fatalidades em embarcações de transporte e regaseificação de GNL.

Fonte: Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis- Boletim Mensal de Gás Natural - Outubro de 2009  
Autores: Helio da Cunha Bisaggio, Engº Naval, Especialista em Regulação da ANP, MSc Engenharia Oceânica e doutorando na mesma área, pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia-COPPE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ);
Luciana Rocha de Moura Estevão, Engª Química, Especialista em Regulação da ANP, MSc e DSc em Química Orgânica, na área de química de materiais, pelo Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Comentário: Recomendações da NFPA
A NFPA 59A, norma para a produção, armazenagem e manuseio de gás natural liquefeito (gnl)
O código principal da NFPA para todas as instalações de gás natural liquefeito é abrangente. O código estabelece os requisitos essenciais para todas as instalações que manuseiam, armazenam e produzem GNL. Entre outras coisas, o código fornece exigências para:
■ Localização e layout das instalações
■ Projeto e construção das instalações
■ Inspeção e manutenção das instalações
■ Proteção contra incêndio e segurança das instalações
■ Instrumentos, controles e eletricidade das instalações
■ Sistemas de transferência do GNL das instalações
■ Treinamento do pessoal envolvido com GNL
■ Projeto, construção, inspeção e instalação de operações de vaporização, tanques de armazenagem e sistemas e componentes de tubulações.

AS EXPLOSÕES DE NUVENS DE GÁS NATURAL
Têm o potencial de causar os incidentes mais destrutivos associados ao gás natural. Elas podem se formar quando ocorre um derrame ou um escape de GNL, causando a vaporização do líquido quando se mistura ao ar ambiente a temperaturas mais altas que seu ponto de ebulição de ‑260ºF (162oC). Os vapores frios de gás, inicialmente mais pesados que o ar, formam uma nuvem perto do solo que se eleva lentamente e se dissipa à medida que aquece. Caso uma fonte de ignição viável esteja presente quando a nuvem atinge um tamanho suficiente e uma concentração de 5-15 por cento no ar, esta pode incendiar-se e até explodir.

Uma explosão de GNL é uma ocorrência muito rara que requer um alinhamento quase perfeito de eventos, de acordo com Guy Colonna, diretor de Divisão da NFPA de Engenharia Industrial e Química, que passou parte dos anos 80 participando duma pesquisa que informou a maioria dos modelos informáticos de nuvens de vapor de GNL ainda em uso hoje. “É de fato realmente difícil fazer explodir o GNL – tentei muitas vezes em muitos diferentes cenários,” ele disse.

“Precisa ter a concentração correta, a quantidade certa de evaporação e uma ignição retardada e perfeitamente sincronizada.” Um cenário mais provável é um incêndio de poça de GNL, não uma grande explosão, disse ele.
Embora pouco provável, o perigo apresentado pelas nuvens de vapor não é tomado levianamente, particularmente quando se trata de localizar instalações.

Modelos informáticos sofisticados desenvolvidos pelo governo e pela indústria tentam demonstrar as consequências que uma liberação de vapor teria fora do local. Os modelos usam centenas de inputs – causas do escape de GNL, localização dos escapes, pressão dos tanques, taxa de liberação, ventos dominantes, temperaturas ambientes e muito mais – e registram aquilo que aconteceria em centenas de diferentes cenários.
Como se dispersaria o gás? Aonde iria? Quantas pessoas poderiam estar em perigo se houvesse uma explosão? Um projeto de 2009 da Fundação de Pesquisa para Proteção contra Incêndios (FPRF, da sigla em inglês) coletou todos os dados experimentais e criou uma base de dados de validação para melhorar os modelos de dispersão. Os modelos serviram de referência aos códigos da NFPA durante anos. Até agora ainda estão sendo aprimorados. Fonte:   NFPA journal latinoamericano- junho 2016

RISCOS A POPULAÇÃO CIRCUNVIZINHA
Os riscos para pessoas e objetos fora da área atingida pelo incêndio em poça, ou em nuvem, advém, primariamente, da radiação térmica emitida pelo incêndio. A depender da localização e orientação do indivíduo, tempo de exposição à radiação térmica (dose) e de outros efeitos mitigadores (roupa, suor, etc.), a pele exposta pode sofrer lesões (resposta) acima de um determinado valor da dose tolerável pelo ser humano, podendo ir de queimaduras de primeiro grau até as de segundo e terceiro graus (letais) (De Roos, 1992). E é por este motivo que existe preocupação com o GNL por parte do público e das autoridades reguladoras.

Outros tipos de impactos, danos e lesões também podem ocorrer em um acidente envolvendo GNL, podendo ser citados:
■ asfixia (metano é um gás asfixiante simples)
■ queimaduras criogênicas e fragilização estrutural,
■ incêndio em bola de fogo (fireball),
■detonações pelo aumento da turbulência e abrupto e gigantesco crescimento da velocidade de propagação da frente de chama em ambientes confinados de baixa porosidade

OS RISCOS PRINCIPAIS DO  GNL:
■ incêndio,
■ explosão confinada ou parcialmente confinada,
■ transição rápida de fase e efeitos relacionados à sua temperatura criogênica de armazenamento, como, por exemplo, queimadura criogênica, asfixia.

Comparado ao Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e ao etileno liquefeito, o GNL é menos perigoso devido à:
■ baixa densidade,
■ tendência de não formar nuvem inflamável de vapor nas condições ambientais,
■ ser relativamente alta sua energia mínima de ignição,  e
■ ter menor velocidade fundamental de combustão.
O GNL não é tóxico, e se evapora rapidamente; consequentemente, considerando um longo tempo de vazamento, são insignificantes os impactos ambientais de um derrame acidental, se não houver nenhuma ignição dos vapores formados.

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